Após a discussão sobre o cristianismo ser ou não responsável por muito do que hoje se considera socialmente e moralmente bom ou em conformidade com a lei, eu pedi ajuda a quem entende mais de história do que eu.

O Gérson, um amigo que é historiador formado, me enviou o texto abaixo.

Olha, o sujeito está completamente enganado. O Cristianismo não tem nada a ver com o que a sociedade atual tem de bom ou do que é socialmente correto.

Os princípios democráticos que regem a sociedade atual, a liberdade de expressão, o sistema judiciário, o sistema de leis, a tolerância e o respeito entre raças, sexos, direcionamento sexual, os direitos humanos, religiões, filosofias e modos de vida diferente, além de idéias diferentes, não tem nada a ver com o cristianismo, muito pelo contrário. Tudo isso é fruto da influência do codex legal romano, da lei sálica utilizada na Europa medieval e finalmente, da influência do iluminismo pós revolução francesa, reinterpretando e atualizando valores democráticos dos gregos antigos.

A não ser que esses “valores morais e tudo o que é aceito de bom na sociedade atual” citados pelo sujeito sejam diferentes do que eu coloquei logo acima, então vamos provar como o cristianismo não tem nada a ver com os mesmos.

Em primeiro lugar, se o cristianismo tivesse algo a ver com democracia, liberdade de expressão, direitos humanos e etc, o Vaticano seria governado por uma república democrática e não por uma monarquia divina e absoluta (se o amigo não sabe, o Vaticano é a última monarquia absoluta de cunho divino existente no mundo! Para os católicos, vale a lei da infalibilidade papal pois o Papa, como Vicarius Dei, tem o poder de ligar e desligar na terra, tendo em vista que ao sentar-se no trono de São Pedro, o Papa recebe diretamente da divindade cristã, o Cristo, seus poderes).

Bem, só para continuar, a igreja cristã, não permite a liberdade de expressão nem entre seus clérigos, ou de seus clérigos para os seus fiéis, ou mesmo da divulgação democrática dos conhecimentos detidos pela mesma. Existem salas da biblioteca do Vaticano proibidas aos visitantes comuns e mesmo aos mais altos cardeais católicos. Por que?

Se o cristianismo fosse responsável por cada uma dessas coisas, os homens não teriam encontrado ao longo da história, suporte no cristianismo para:

– a destruição dos templos egípcios e a matança de sacerdotes egípcios que não compartilhavam da idéia cristã de religiosidade.

– a matança de milhares, centenas de celtas, germânicos e gauleses, adoradores de deuses diferentes, pelas forças dos exércitos cristãos da alta idade média, tendo em vista a disparidade religiosa desses povos.

– a matança de milhares de “hereges” como judeus, muçulmanos, albigenses e outros grupos religiosos por se diferirem do cristianismo, tanto pela igreja católica como pelas igrejas de cunho protestante (lembrem-se do episódio da caça as bruxas na Inglaterra e nos EUA);

– a escravidão de milhões de negros em todos os países cristãos, defendida pela igreja apoiada nas epístolas de São Paulo;

– a redução das mulheres a posição social inferior por 2.000 anos, novamente defendida pela igreja cristã, católica ou não, montada em cima das epístolas de São Paulo;

– a perseguição por dois mil anos e a morte de milhões de judeus, perpetrada pelos exércitos cristãos desde as cruzadas em 1099, até a segunda guerra mundial, em 1945. Só a segunda guerra mundial matou 6 milhões de judeus pelo simples fato de serem judeus e de uma religião diferente. Só para lembrar o amigo aí, Jesus era judeu!

– todo o tipo de preconceito contra raças, religiões diferentes, conduta sexual diferente e etc são resultado direto da influência do cristianismo na vida dos ocidentais. Famílias inteiras são destruídas porque um branco se casa com um negro. Crianças são abandonadas porque a igreja não aceita mães solteiras. Filhos e filhas são expulsos de casa obrigados a se prostituir porque o cristianismo não aceita os homossexuais. Pais chegam a matar filhos por causa dessas questões. Na África cristã, a AIDS é uma doença galopante porque o Papa disse que usar camisinha é pecado.

Sinceramente, eu gostaria de saber onde é que esse sujeito viu democracia, justiça social, liberdade de expressão, de culto, liberdade mesmo de existir sendo defendida pela igreja cristã. Isso não existe! Tudo o que envolve direitos humanos, tolerância, coexistência pacífica entre povos e religiões diferentes foram perpretados pelos estados democráticos, por políticos, após a Revolução Francesa. Pelo contrário, a igreja cristã jamais se meteu nessas questões. Eugênio Paccelli, mais conhecido como Pio XII, nunca se pronunciou contra o holocausto (leia o livro “O Papa de Hitler”), nunca um papa defendeu o fim da matança dos índios na América durante a invasão perpetrada por espanhóis e portugueses, pelo contrário, afinal, se não é cristão, morre na fogueira. Jamais a igreja defendeu os direitos de igualdade das mulheres. Foi necessário a revolução bolchevique para que isso acontecesse no mundo todo.

É um absurdo dizer que o cristianismo é responsável por tudo o que há de bom em nossa sociedade atual. Pelo contrário, hoje a leitura do cristianismo sobre a ótica democrática é ainda o que permite que essa religião exista. É o cristianismo que deve ao pensamento democrático pós revolução francesa, pois essa religião chegou bem perto de desaparecer com o fim da ditadura nada democrática da igreja, durante os mil anos de idade média, onde crimes foram cometidos contra toda a humanidade, inclusive contra os cristãos.

Sinceramente, o sujeito que fez esse comentário precisa estudar muuuuito ainda sobre cristianismo e sua influência danosa no mundo.

Livros recomendados

A Bíblia – o sujeito nuca deve ter lido. Se ele ler, tenho certeza que vai identificar muitos “ideais democráticos”, sem sombra de dúvida! Ele vai perceber como o cristianismo é aberto a diversidade, a tolerância e a liberdade.

“Santos e Pecadores, história dos papas”, para ele ver como o cristianismo influenciou positivamente esses homens que fizeram do mundo um lugar pior para se viver.

“História Ilustrada do Cristianismo”, para ele entender a evolução da sociedade cristã ocidental

“O Papa de Hitler”, para ele entender como cada cristão é responsável pela morte de seis milhões de judeus, mais de um milhão de retardados mentais, mais de 100.000 homossexuais e milhares de ciganos.

“História das cruzadas”, de Steven Runciman, para ele entender que os terroristas e agressores iniciais não são os muçulmanos. Eles estão apenas respondendo hoje, ao que os cristãos fizeram com eles por milhares de anos.

De quebra, recomendou todos os evengelhos apócrifos que escaparam da queima de livros perpetrada pela igreja na idade média. Em cada um deles, ele vai achar uma mensagem bem diferente das epístolas de Paulo, o alicerce do cristianismo atual. Aliás, o próprio Cristo jamais disse para a igreja cristã levar a cabo nenhuma das idéias que a igreja defende hoje. Tudo isso foi criado por São Paulo, que nem o Cristo conheceu.

Como em um de seus últimos comentários, o amigo cita a questão de São Paulo, desculpe, naõ vale discutirmos aqui o cristianismo de cristo, tendo em vista que o mesmo jamais foi aplicado por nenhuma sociedade cristão, católica ou não. Assim, se jamais foi aplicado, jamais influênciou verdadeiramente a conduta da sociedade cristã. Aliás, nem sabemos realmente qual seria o cristianismo de cristo, pois há dúvidas se até mesmo os atuais evangelhos são verdadeiros e fiéis a historicidade da figura do Cristo.

Mas isso já é um outro assunto, para uma outra discussão. Vivemos hoje algo que chamamos de cristianismo, mas seria mais adequado chamar de paulinismo. Cristo nunca falou contra judeus, contra pessoas de outras religiões, nem mesmo contra putas e homossexuais. Ele dizia sim que todos eram filhos de Deus, amados por ele, e que deveriam ser amados por seus próximos, independente de suas diferenças. Para quem não acredita, lembrem-se da parábola do bom Samaritano.