A história da Terra Prometida
Achei um texto que eu tinha começado a escrever uns meses atrás, quando estava lendo a ótima adaptação do livro do Gênesis feita pelo Crumb. Tinha me dado vontade de fazer um resumão da história da Terra Prometida, porque as histórias normalmente seguem Abraão e sua descendência através dos séculos, mas não enfatizam o lado da promessa que Jeová fez para ele e que nunca cumpria. Resolvi corrigir essa falha.
O texto é bem longo, o resto está depois da quebra.
O lance da Terra Prometida começa quando Jeová aparece para Abraão.
— Aí, Abraão, você vai ser meu peixe, falou? Então tá vendo aquelas terras ali? Vou dar prá você. E também vou fazer a sua prole parecer coelho, de tanto fazer filhos.
O tempo passa, Abraão teve Isaque (aquele que Jeová usou num trote que passou no Abraão, falando que ele tinha que matar o moleque) e mais uns outros fedelhos. Jeová aparecia de vez em quando para fazer a mesma promessa, mas nada de cumprir. Abraão finalmente cansa de esperar a porra da terra e decide morrer de velhice extrema sem virar latifundiário.
Jeová então chega junto de Isaque e diz:
— Aí Isaque, seu pai era meu capanga, então agora a bola passou prá você. Tá vendo aquela terra ali? Vou dar prá você, e fazer seus decendentes mais numerosos que pulga em vira-lata.
E Isaque então achou legal, mas os anos passaram e nada da tal terra. Ele finalmente morre de velhice terminal sem ver terra nenhuma.
O primogênito de Isaque era Esaú, mas Jacó, o segundo filho, era um salafrário de marca e deu o maior 171 no Esaú, roubando dele não só o direito à primogenia como a benção do Isaque já no leito de morte. Depois que Isaque morreu, Jeová chegou no Jacó e disse:
— Aí Jacó, seu pilantra, você é dos meus, então vou dar prá você aquela terra ali, que prometi para o seu pai e seu avô… não, sério, desta vez eu cumpro. Também tem o lance de ter muitos decendentes e etc, vai junto na oferta, então estamos combinados né?
E Jacó teve um monte de filhos. Os filhos sacanearam José, o filho mais novo, e o venderam como escravo para os egípcios. A história dá um monte de voltas, José vira primeiro-ministro do Egito, o mundo passa por uma seca e fome danada e no final Jacó e a gangue toda acabam se mudando para o Egito.
Jacó fica velho e catacego e nada da tal terra que Jeová tinha prometido. Cansado de esperar, Jacó morre depois de falar um monte de bostas para os filhos, que incidentalmente são os ancestrais das 12 tribos de Israel (Israel era o nome de guerra do Jacó).
José e os outros filhos dele ficam morando no Egito até ficarem velhos e morrerem, sem ver terra prometida porcaria nenhuma.
Vale mencionar à esta altura que nessas histórias esse povo todo vive de 100 anos para cima. José morreu moço, com 110, mas a expectativa de vida ali era normalmente entre 125 e 175 anos. Percebem como Jeová estava enrolando, não?
Então, depois disso o faraó do Egito também morre e o faraó novo, por alguma razão inexplicável, não sabia quem era um cara tão importante como o José. Os israelitas estavam prosperando muito lá, em boa parte pelo fato que tinham contatos no governo enquanto José mandava em tudo e eram favorecidos, então o faraó novo decide escravizar todos eles.
Passa-se o tempo e nasce Moisés. Um belo dia, quem aparece? Nosso velho amigo da onça, Jeová. Chega no Moisés com aquela mesma história de sempre:
— Aí Moisés, vou dar para você aquela terra ali, tá ligado? Você só precisa juntar o povo todo daqui, levar para lá e beleza. É só chegar, montar os barracos, acender a churrasqueira e deixar rolar o pagode.
Moisés então dá uma de Penn and Teller, faz umas magicazinhas e arruma um jeito de levar o povo embora do Egito (depois de deixar uma montanha de corpos atrás dele). Mas aparentemente ele não era bom guia turístico, então eles se perdem no deserto e vagam por mais de 40 anos.
Eventualmente, um dia eles chegam no rio Jordão, a fronteira da tal terra, e adivinhem só? Moisés morre antes deles entrarem, sem colocar os pés nela. Depois de todo esse trabalho, literalmente morre na praia.
Jeová LOLs e escolhe a próxima vítima. Chega para o Josué, filho de um dos capangas do Moisés, e fala:
— Aí Josué, o Moisés bateu as botas, agora você vai ter que pegar o povo todo, atravessar o rio e ocupar a terra ali, que eu dei prá vocês.
Beleza, certo? Finalmente Jeová vai cumprir a promessa, os israelitas vão chegar na terra que estava reservada para eles, montar os barracos onde quiserem e viver felizes para sempre.
Achou mesmo que ia acontecer? Claro que não, né. Jeová, quando prometeu dar a terra para Abraão, negligenciou um pequeno detalhe: JÁ TINHA GENTE MORANDO LÁ. Civilizações inteiras, para falar a verdade, morando lá desde sempre.
Jeová, então, tinha duas escolhas:
- usar seus superpoderes e fazer os moradores da terra simplesmente pegarem as suas coisas e irem embora, ou
- mandar Josué e os israelitas invadirem as cidades, saquearem tudo, queimarem o resto e matarem todo ser vivo que encontrasse, fossem eles homens, mulheres, crianças ou até mesmo os animais, para desocupar a terra.
Depois de pensar nas alternativas, decidiu-se pela segunda porque era a mais cruel, que causaria mais sofrimento e derramamento de sangue, além de ficar mais legal nas possíveis adaptações cinematográficas por causa das cenas de batalha.
Josué então manda dois homens para Jericó, para espionar a cidade. Chegando lá, a primeira coisa que eles fazem, claro, é ir ao puteiro, porque afinal ninguém é de ferro, depois de passarem 40 anos no deserto a situação devia estar crítica. O problema é que eles não eram ninja suficiente, então foram descobertos logo de cara e a polícia foi bater na casa da prostituta atrás deles.
A prostituta contou para os israelitas que o povo estava apavorado, com medo deles, porque as notícias dos feitos de Moisés tinham chegado lá (tá certo que tinham acontecido 40 anos antes, mas a conexão da internet era muito lenta naquele tempo). Ela decide puxar a brasa para a sardinha dela e esconde os espiões, que em troca prometem protegê-la quando eles invadissem a cidade.
Os espiões então retornam para informar Josué, que leva o exército dele de 40 mil homens através do Rio Jordão, usando a Arca da Aliança para abrir as águas, assim ninguém teve que se molhar. Mas quando chegaram em Jericó, viram que a cidade estava selada, preparada para sítio.
Deus então chega para Josué e diz:
— Aí, Josué, estou te dando essa cidade aí. É, tem gente morando lá, mas não tem erro não, você entra, mata todo mundo e beleza, tome aqui as instruções. Só quero que guarde o ouro, a prata e os vasos de metal para mim, porque estou precisando de uma grana aí para pagar umas dívidas e quero uns vasos novos para colocar em casa.
Os israelitas então passam uns dias carregando a Arca em volta da cidade e tocando vuvuzelas, até que depois de uma sessão mais forte de vuvuzelas e gritaria da torcida, as muralhas resolveram que era melhor desabar do que passar mais um dia aguentando aquele barulho desgraçado. Josué manda então o exército invadir a cidade e matar todo mundo, homem, mulher, criança, boi, novilho, até os jumentos. Só poupou a tal prostituta e a família dela, provando mais uma vez que Deus recompensa quem é traíra (como ele já tinha mostrado, por exemplo, com Jacó).
O resto do livro de Josué é meio repetitivo, porque por décadas a rotina diária do típico homem israelita era esta:
- Acordar;
- Trocar de roupa;
- Ir para alguma cidade ali da região;
- Invadir a cidade, matar tudo o que encontrar pela frente, saquear, tacar fogo no que sobrou;
- Voltar para casa;
- Tomar banho, jantar e ir dormir.
E por muitos anos essa história se repetiu, com Josué e seus capangas avançando pela terra destruindo cidade após cidade, até não sobrar mais ninguém na região e eles pudessem, finalmente e merecidamente, armarem as redes debaixo das palmeiras e descansar em paz tomando suco de tâmara, sem se preocupar com nenhum vizinho enchendo o saco.
Falando sério agora: os leitores mais inquisitivos a esta hora devem estar se perguntando, mas que crimes esses povos cometeram contra Deus para serem destruídos assim? A resposta é absolutamente nenhum, a não ser terem decidido morar no lugar errado. Quem manda não perguntar para Jeová se aquela terra estava prometida para alguém antes de montar seus barracos?
Aliás, um detalhe interessante: em décadas de guerra e destruição, com os israelitas fazendo com as populações locais o que os Terminators fizeram com a humanidade nos filmes do Schwarzenegger, ninguém tentou fazer paz com eles. Por que? Segundo a Bíblia, porque Deus enrijeceu os corações dos outros povos para que eles resistissem à ocupação por parte dos israelitas, sendo assim completamente destruídos (vale lembrar que Deus sacaneava com eles para fazer com que o exército israelita fosse sempre vitorioso).
Pronto. Aqui está a história da Terra Prometida, desde a sua promessa original até a entrega das chaves. Uma história torpe de promessas falsas, sacanagens, massacres, tortura e violência. Se fizessem um videogame sobre isso, teria sem dúvida a sua venda proibida para menores, se não fosse totalmente removido do mercado.
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O problema da religião organizada é a abertura à interpretação, e os próprios “Manuais de instruções” utilizados por elas, que são vagos e contraditórios. Acredito em toda sua discussão, e também não me conformo com os cristões que aceitam tudo de cabeça baixa e justificam suas explicações quando as coisas dão errado (ou seja, Deus não atende às preces) sempre com a justificativa de que “as pessoas não conseguem gatificação suficientes porque não têm fé suficiente”